Real Skills: o que são e como podem mudar a vida das organizações?

Organizações bastante diferentes – multinacionais, startups, ONG’s ou desportivas estão confortavelmente habituadas a medir, a seguir, a identificar e a melhorar resultados. O foco nas hard skills – competências técnicas, permite ensinar, treinar e praticar e podem ir desde marcar um penalti a uma cirurgia de coração aberto, da programação informática à tradução literária, da gestão de pessoas ao manuseamento de maquinaria pesada. Longe do foco estão as soft skills – aquelas que não são fáceis de medir e causam desconforto. Neste artigo falo de real skills. O que são, como as definimos, qual a sua importância na transformação que ocorre no mundo e como elas se alinham com o mais recente relatório do Fórum Económico Mundial sobre o futuro do trabalho.

Real Skills

Real Skills são as competências humanas: sejam elas interpessoais, comportamentais, emocionais ou mentais, e podem ser aprendidas. Aquilo que é importante mas nasce connosco é um talento. Aquilo que podemos aprender é uma competência.  E na verdade, quase tudo o que verdadeiramente importa é uma competência.

Disciplina, rigor, paciência, autocontrolo, dignidade, respeito, conhecimento, curiosidade, sabedoria, ética, honra, empatia, resiliência, honestidade, longo prazo, possibilidade, bravura, gentileza e consciência.

Todas estas são real skills, soft skills, competências que podem ser aprendidas.

Mas se são competências, isso significa que são decisões. Uma escolha que temos que fazer. Mesmo que não seja fácil ou satisfatório no curto prazo.

Estas competências às vezes são escassas, o que as torna ainda mais valiosas.

Seth Godin

Ter consciência disto é um ponto de viragem. Perceber que lhes temos chamado soft skills diminuindo a sua importância, implicando que são meros “nice to have” opcionais só porque causam desconforto ou são difíceis de medir altera completamente o paradigma sob o qual as organizações actuam.

As competências técnicas, ou vocacionais, têm de estar lá. Um cirurgião tem de saber operar, um avançado marcar um pénalti ou um camionista trabalhar uma caixa de 8 a 12 velocidades.

Mas em organizações em tudo semelhantes do ponto de vista técnico ou vocacional encontramos resultados bastante diferentes. A  percentagem de startups que falham é elevada (cerca de 90% de acordo com o site Failory) mas um dado bem mais interessante retirado da CBInsights diz que 23% das que que falham têm como causa uma “weak founding team”. Ou seja, não é pela tecnologia envolvida, nem pelas competências técnicas. O que separa as organizações que vingam, daquelas que se perdem no éter são as competências reais.

O conceito de real skills não é novo, surgiu pela primeira vez em 2017 no artigo do autor Seth Godin com o título “Vamos parar de lhes chamar soft skills” cujo link deixo no final.

Imaginem…

Um pequeno exercício e uma pergunta. Imaginem o seguinte cenário:

Pessoa A – Esta pessoa faz análises de causa como ninguém, trabalha dados estatísticos com rapidez, a equipa apresenta resultados sólidos, vai ao cerne das questões que são necessárias de resolver, identifica-as de forma irrepreensível. Ao mesmo tempo chama à atenção os colaboradores no meio do open-space, entra e não dá um bom dia, ignora completamente o valor das outras equipas e numa reunião de management diz algo do género “Bom, isto é a minha parte, alguma dúvida? Não, então agora tenho de ir que tenho coisas mais importantes para fazer.”

Pessoa Z – É a primeira a chegar e das últimas a sair. Contagia toda a gente com a sua boa disposição, oferece ajuda com frequência e cumpre com a entrega de tudo o que lhe é pedido. Por outro lado dá imensos erros de português, a sua utilização de tecnologia é rudimentar, fica-se pelo que lhe é familiar e todo o trabalho entregue precisa de ser revisto por alguém.

Eu trabalhei com estas duas pessoas, ao mesmo tempo no mesmo contexto. No caso da pessoa A o que aconteceu foi que a organização fechou os olhos àquilo que não conseguia medir. Continuou durante bastante tempo a contaminar os outros com a sua toxicidade. À pessoa Z não lhe foi renovado o contrato com base em tudo aquilo que era possível medir, sem que sequer tivesse sido feito algo no sentido de ajudar a superar as falhas.

Se estivesse do vosso lado, qual destas pessoas preferiam na vossa equipa?

5 exemplos de Real Skills

No artigo de 2017 Godin propunha uma taxonomia para classificar as competências reais, organizada em 5 categorias que vale a pena conhecer.

Auto-controlo  

É a capacidade para decidir que algo é importante e persistir em fazê-lo para lá de distrações, maus hábitos ou coisas melhores. É ultrapassar a falta de vontade a curto prazo, em prol do pensamento a longo prazo.

Autenticidade | Mentalidade colaborativa | Inteligência emocional | Flexibilidade | Honestidade | Paixão | Resiliência | Auto confiança | Tolerância à mudança e incerteza

Produtividade

Diz respeito a ir para lá das tarefas técnicas e conseguir usar os insights e um forte nível de compromisso para fazer as coisas acontecerem e avançarem.

Atenção ao detalhe | Gestão de crises | Facilitação de discussão | Pensamento lateral | Escuta activa | Planeamento de projectos | Resolução de problemas | Pesquisa | Tech savvy

Sabedoria

Está relacionada com a experiência adquirida ao longo da vida, e com a aprendizagem de algo sem ser através de um livro ou manual mas sim vivenciado.

Instinto de resolução de conflitos | Criatividade face aos desafios | Pensamento crítico | Lidar com pessoas difíceis | Diplomacia | Empatia | Competências interculturais

Percepção

Permite  ver o mundo com clareza, implica uma experiência que leva a ver as coisas antes de serem mostradas pelos outros.

Design Thinking | Elaboração de mapas | Avaliar pessoas e situações | Pensamento estratégico

Influência

É a capacidade de persuadir as outras pessoas a agirem.

Capacidade de fazer críticas claras e úteis | Assertividade | Linguagem corporal | Inspirar para os outros | Liderança | Negociação | Networking | Persuasão

O futuro do trabalho

Em Outubro de 2020 o Fórum Económico Mundial (WEF)  publicou o relatório Future of Jobs. Já com o reflexo das alterações provocadas pelo Covid-19 é possível encontrar informação detalhada sobre cerca de 15 sectores em 26 países não só quanto ao estado actual mas também as previsões para o futuro. No capítulo 2 – Forecasts for Labour Market Evolution in 2020-2025 antecipam-se as competências esperadas e as que se encontram em declínio no mercado de trabalho.

Uma das grandes conclusões do relatório é a estimativa que 50% dos trabalhadores irão precisar de requalificação das suas competências até 2025.

Se olharmos para as 10 competências chave para 2025 encontramos 4 grupos: Problem-solving; Self-management; Working with people; Technology use and development. E na sua discriminação constatamos que destas 10 competências apenas 2 são hard skills. As outras 8 são real skills.

Mesmo com o impacto a todos os níveis que os dois últimos anos tiveram no mundo em geral este relatório é bastante positivo. É inegável que as organizações estão agora mais ágeis e mais digitais. A automatização das tarefas repetitivas continuar a aumentar, o que abre espaço para aquilo que faz realmente a diferença: as pessoas.

São as pessoas, pelas suas características, difíceis de medir numa escala linear, únicas e intrínsecas que constroem culturas empresariais fortes, saudáveis e felizes.

Perceber que as nossas atitudes são competências a nível pessoal dá-nos todas as possibilidades. Se podemos aprender, evoluir e crescer, de que estamos à espera?

E se as organizações podem ter um papel activo nesta aprendizagem, evolução e crescimento, de que estão à espera para mudar? É bom relembrar que a cultura vence a estratégia sempre.

Culture defeats strategy every time.

Seth Godin


Let’s stop calling them soft skills

WEF – Future of Jobs Report

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