Se lês jogos de tabuleiro e pensas de imediato no Monopólio, no Jogo da Glória, nas Damas e no Xadrez ou até no Trivial tenho duas coisas para te dizer. Primeiro: olá pessoa que viveu nos anos 80, podes deixar o revivalismo. Segundo: os jogos de tabuleiro deram um salto gigante desde aí e são muito mais do que aquilo que te lembras.
Como jogadora, colecionadora e pessoa que usa qualquer pretexto para abrir um jogo – do lazer ao trabalho – neste artigo falo de jogos de tabuleiro modernos, da sua importância no desenvolvimento pessoal e profissional e de como o jogo é uma parte inerente ao ser humano.
O que são jogos de tabuleiros modernos?
A história do Monopólio é bem mais interessante do que o jogo em si. Vai até 1903 onde Lizzy Magie – americana de descendência escocesa – criou e patenteou o jogo com o nome The Landlord’s Game. A parte mais curiosa é que Lizzie era uma feminista de esquerda anti-capitalista. A sua concepção do jogo, na viragem do século, numa época de fortes mudanças sociais tinha como objectivo expor o capitalismo e a sua posição contra o mesmo.
Se as vossas jogatanas de Monopólio são intermináveis, acabam em confusão, a malta se passa: ou cheia de dinheiro numa onda de mercenários implacáveis, ou na bancarrota a pedir empréstimos saibam que… o propósito do jogo está cumprido. É o capitalismo selvagem a funcionar na mesa como na vida real.
Os jogos de tabuleiro modernos surgem na Alemanha com um jogo lançado em 1995: The Settlers of Catan e abriu a porta a jogos como Carcassone, Ticket to Ride e a toda uma nova era.
Os jogos de tabuleiro modernos têm características comuns que os separa de outro tipo de jogos:
- as suas mecânicas e estratégias criam jogos equilibrados e divertidos
- não há eliminação precoce de jogadores
- são fluídos, podem ser em simultâneo ou em rondas de acção
- artisticamente são bastante atractivos, dos materiais ao design
- temáticos: podem ser apenas background, ou em modo full imersion no tema
Tendo como base estas características e todos os jogos que existem à data de hoje é importante saber algumas coisas sobre eles:
- Nem todos os jogos são competitivos. Jogos cooperativos por exemplo, são óptimos para trabalhar equipas
- São uma boa forma de exercício mental, que vai do mais simples ao mais complexo e desafiador
- Existem muitas opções para jogar a dois, podem arrumar as Damas e o Xadrês
- A duração é variada: há jogos de 10 ou 20 minutos e há jogos de 3 ou mais horas, com todo um setup e cerimonial a acompanhar
- São uma forma excelente de desligar do virtual e de voltar a interagir com outros humanos à volta de uma mesa, com um copo de vinho… digo eu.
O Jogo, os Humanos e a História lá atrás
Jogar é uma actividade natural ao ser humano. Tanto que existe registo de jogos em todas as épocas, em quase todos os pontos do globo e em diferentes povos: dos egípcios aos gregos, do ocidente ao oriente.
Crê-se que o jogo de tabuleiro mais antigo até hoje encontrado é o Senet – Egipto 3500BC. Existem apenas dois povos onde não foram encontrados jogos de tabuleiro: esquimós e aborígenes.
Johan Huizinga diz-nos que o espírito de competição lúdica é um impulso social mais antigo do que a cultura já que a própria vida é atravessada por ele. A habilidade no desenvolvimento de jogos leva Huizinga a defender que a designação Homo ludens deva acompanhar as definições Homo faber e Homo sapiens.
O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a filosofia encontraram expressão em palavras e formas derivadas das competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida aristocrática eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo.
Huizinga, Homo Ludens
Três aspectos importantes a destacar no jogo são:
- a operacionalidade: a utilização da inteligência prática, do nosso corpo, dos nossos recursos mentais
- as relações socioculturais: a parte racional, com as regras, a estrutura e a utilização de uma lógica própria; e a parte emocional, os sentimentos com que lidamos para ultrapassar as adversidades, para festejar as alegrias e para despoletar a nossa criatividade
- a metáfora: a percepção de que o jogo é um espelho da realidade, interior e exterior, e que permite experienciar todas as subtilezas humanas no contexto de um jogo
Jogos de tabuleiro no desenvolvimento pessoal e profissional
Os aspectos importantes do jogo, a relação intrínseca do jogo com a natureza humana e as características dos jogos de tabuleiro modernos são a receita perfeita para serem usados no desenvolvimento pessoal e profissional.
5 Competências que desenvolvemos a jogar:
Resolução de problemas – do mais simples ao mais complexo quando jogamos procuramos formas de resolver / ultrapassar problemas. Jogar obriga-nos a pensar fora da caixa, a ir buscar recursos externos ao jogo e a focar em soluções
Seguir regras – no ecossistema de um jogo há regras definidas, sequências de acção e formas de fazer o jogo avançar. Na vida real também e ter consciência disto é uma habilidade transferível de um para outro com resultados positivos
Estratégia e planeamento – gestão de recursos, físicos ou humanos, de várias coisas ao mesmo tempo enquanto ainda se planeia os passos a seguir é outra competência importante para desenvolver
Trabalho de Equipa & Cooperação – equipa que joga junta evolui junta. Jogos cooperativos aumentam a capacidade de comunicação, de empatia e de motivação para alcançar objectivos comuns. (mas se quiserem competitividade interna também se arranja como desenvolver isso, normalmente para equipas de vendas onde a competição prevalece face à cooperação)
Gestão do Stress / Aprender a perder – lidar com várias coisas ao mesmo tempo, decisões, escolhas, falhas, perdas, ataques. E quem não tem isto na sua vida real? Mais importante do que gerir tudo isto é aprender a perder. Lidar com a frustração e ter a capacidade de voltar a tentar uma e outra vez, de melhorar sem desistir, de voltar ao jogo sem ressentimentos.
Por onde começar?
Em família:
Catan – A ilha de Catan é o cenário e os jogadores são colonizadores. O objectivo é dominarem a ilha e para tal é preciso recolher recursos (madeira, cereais, tijolos, ovelhas e pedras) para construir estradas, cidades entre outros, que permitam aumentar o seu território.
Gestão de recursos – Negociação – Análise e Planeamento
Set – Um jogo de cartas altamente desafiador. Cada carta tem 4 características: cor (vermelho, azul ou verde) forma (oval, onda ou diamante) número ( um, dois ou três) e preenchimento (delineado, sólido ou riscas). Um Set é um conjunto de 3 cartas onde cada característica é ou totalmente igual ou totalmente diferente. Parece simplista mas quando começam a jogar vão ter muita frustração para gerir.
Reconhecimento de padrões – Antecipação – Rapidez
Skull – É o jogo de bluff por excelência. Rápido, muito divertido e com uma temática invulgar: o Dia de Los Muertos. Cada jogador recebe 4 cartões redondos da sua cor com 3 flores e 1 caveira. À vez vão colocando à sua frente um dos cartões voltado para baixo. O objectivo é virar o número de cartões desafiado sem encontrar as caveiras.
Observação – Tomada de decisão – Bluff
No trabalho:
6 Nimmt! – Neste jogo o objectivo é fazer o minímo de pontos possível. O baralho contém 104 cartas numeradas, cada uma com pontos atribuídos. São colocadas 4 filas na mesa com cartas aleatórias e cada jogador começa com 7 cartas. As regras são simples, todos escolhem uma carta da sua mão e é revelada ao mesmo tempo. Colocam-se as cartas na respectiva fila da mesa por proximidade, sempre da carta menor para a maior. O detalhe é que ao colocar a 6ª carta na fila o jogador recolhe as 5 cartas anteriores e fica com esses pontos na sua conta.
O jogo vai de 2 a 10 jogadores e a dinâmica do mesmo varia consoante o número de jogadores na mesa. É garantido que vai haver competição, estratégia, contagem de cartas e muita imaginação para vencer neste jogo altamente competitivo.
A ilha proibida – Neste jogo sem cooperação não há vitória, uma vez que o adversário é o próprio jogo. À vez os jogadores movem os peões na ilha – que é composta por diferentes tiles – e em cada jogada têm de lidar com adversidades, a ilha vai afundando de acordo com as cartas tiradas de uma pilha de acções. O objectivo é escapar da ilha após capturar os tesouros secretos e esta é uma missão de vencer ou morrer.
Joga 2 a 4 jogadores ou no máximo 4 equipas de 2 jogadores. Depois disto é garantido que equipas ficam mais unidas, a comunicar melhor e com um renovado sentido de cooperação.
Muito mais havia a dizer sobre jogos de tabuleiro moderno e as suas utilizações e possibilidades. Sou fã demais de todo o potencial em ferramentas tão simples para trabalhar públicos tão diversos. Espero que depois deste texto tenham curiosidade para se sentarem à mesa com um jogo e entrem neste mundo.
Links e recursos adicionais para seguirem: